Na 1ª edição das Conversas d’Interiores estivemos à conversa com Sofia Garcez da DZINE & Co. sobre materiais, inspirações e o panorama atual da indústria. A primeira de muitas entrevistas que nos vão fazer descobrir novas perspetivas sobre a arquitetura de interiores.
Como é que entrou neste mundo e o que é que a levou a interessar-se pela arquitetura de interiores?
Creio que desde cedo tive uma certa curiosidade pela arquitetura de interiores, muito provavelmente por alguma influência familiar. A minha mãe era designer têxtil e o meu pai tinha uma empresa de mobiliário. Com ambos tive a oportunidade de frequentar as fábricas, ver o processo de idealização das coleções e visitar feiras nacionais e internacionais, das quais destaco a Maison&Object em Paris, onde me recordo de ter ficado fascinada pelos ambientes que eram criados, em espaços tão limitados, mas com uma dose imensa de criatividade.
Da curiosidade até enveredar por esta área o percurso foi um pouco mais sinuoso. À época da entrada da faculdade optei pela arquitetura geral e entrei na Universidade do Porto, uma ótima faculdade, com uma forte formação de base da qual retenho muito do processo. Estava já na Colômbia a trabalhar num atelier com sede em Lisboa quando percebi que a empresa tinha uma parceria com a designer Nini Andrade Silva, aguçando de novo a curiosidade de experimentar esta área.
Regressada a Portugal mudei-me de malas e bagagens para Lisboa e enveredei pela arquitectura de interiores. Realmente foi o encontrar o meu cantinho no mundo! Um trabalho com o qual me identifico, que me dá o prazer e o tempo de me debruçar sobre o espaço interior, as suas vivências e fluxos, pensar os conceitos, as cores, texturas e materiais. Para além disso os projetos desenvolvem-se numa outra velocidade, mais enérgica, mais rápida. Ao fim de seis anos na área já vi muita obra concluída, o que me dá uma enorme satisfação.
Quando começa um novo projeto há algum processo essencial ou varia sempre?
Quando estamos perante um projeto de hotelaria ou restauração, a abordagem ao conceito é logo inicial. Queremos criar algo que seja diferenciador e, como tal, todo o processo de investigação de imagens de referência, com cores, materiais, soluções alternativas de layout e organização espacial são importantes para começarmos a estruturar ideias e a idealizar o espaço. Para além da sua óbvia distribuição meramente funcional.
No mercado residencial o processo é mais introspetivo, passa por conhecer o cliente, perceber o seu estilo de vida, agregado familiar, objetivos e experiências. Perceber aquilo que para o cliente é o sinónimo de conforto e bem-estar.
Tem materiais com os quais goste mais de trabalhar?
A variedade de materiais com os quais trabalhamos é imensa e é muito enriquecedor explorar e descobrir diferentes combinações. Os materiais nobres como a pedra e a madeira são um ponto de partida natural, mas não temos preconceitos com as atuais soluções que imitam materiais nobres. Desde que sejam produtos de qualidade, apresentam uma durabilidade, resistência e preço que não são de descartar, aumentando exponencialmente as soluções ao nosso dispor.
Assim, sobre a nossa mesa de trabalho, convivem papéis de parede, azulejos artesanais, pedras, cerâmicos e quartzos, soalhos e vinílicos, amostras de tecidos, tapetes e folhas de madeira, amostras de pinturas decorativas, numa simbiose entre os materiais de revestimento, mobiliário e decoração que estarão presentes em cada projecto.
Já trabalhou com gesso natural? Quais as suas melhores características e que tipo de projeto favorece?
Sim, já. Temos trabalhado em vários edifícios reabilitados que remontam ao século XIX. Nesses projetos temos, por vezes, introduzido elementos que eram típicos dessas construções, tais como as sancas, frisos e florões. Optando pelas soluções em gesso natural, o material que era utilizado originalmente, e que devolve parte da classe, do charme e romance que identifico nestes edifícios.
No fundo trata-se de recuperar elementos que surgem da necessidade percecionada ao longo de séculos para alcançar uma “boa construção”. A procura do minimalismo e pureza na arquitetura tem caminhado no sentido da depuração (anulando elementos como sancas e rodapés), alcançando soluções realmente interessantes, mas com uma exigência ao nível do rigor no trabalho de construção que nem sempre se encontra na edificação corrente.
Muitas casas acabam por “envelhecer” mal e rapidamente apresentarem um aspecto degradado. Estes elementos de transição entre pavimento, parede e tecto continuam por isso, ainda hoje, a desempenhar um papel importante e são uma solução a considerar na construção actual.
Como é que olha para a arquitetura de interiores na atualidade? E como projeta o futuro para esta área em Portugal?
Nota-se uma maior consciência por parte do mercado em relação à importância do desenvolvimento de um projeto de arquitetura de interiores e decoração. E da sua mais-valia em ser considerada como mais uma especialidade a ser integrada, desde o início, no projecto de arquitetura, tal como o é a estabilidade, a acústica, a térmica, entre outros.
O boom turístico que vivemos nos últimos anos e que veio impulsionar o nascimento e reconversão de inúmeros hotéis e restaurantes, terá também contribuído para dar mais visibilidade a esta área, uma vez que se percebeu da necessidade de apresentar um produto diferenciador num mercado tão competitivo. É agora de facto reconhecido que a arquitectura de interiores é capaz de se debruçar sobre os projectos e lhes imprimir carácter e ambientes distintos.
Como tal, acredito que a arquitetura de interiores em Portugal só tem por onde crescer.
Sente que as pessoas, ao passarem mais tempo em casa, têm vindo a valorizar mais essa questão?
Temos verificado que cada vez mais particulares nos têm vindo a contactar, reflexo da maior informação e visibilidade que tem tido esta área, nomeadamente através dos média.
É um crescendo da perceção de que existem profissionais especializados na área dos interiores para fazer de uma casa a sua casa. Procuram alguém que os ajude a encontrar um ponto de equilíbrio e conforto que faça das suas casas mais do que paredes vazias e mobiliário disperso.
Algum projeto do qual se orgulhe particularmente?
São vários os projetos pelos quais nutro um carinho especial, mas se tivesse de destacar um seria o WC Beautique Hotel, que desenvolvi quando trabalhava no atelier Nini Andrade Silva. Pela irreverência do conceito, pelo resultado final, orgulho-me muito deste projecto que é tudo menos normal ou convencional. Foi um processo de “enlouquecimento” e de pensar fora da caixa.
Tem alguma referência profissional que acompanhe regularmente?
Mais do que uma referência em concreto gosto de ir acompanhando algumas publicações que nos vão oferecendo novos projetos, novos autores e novos mundos que vamos depois explorando em mais detalhe. Gosto especialmente da revista AD México e AD Brasil pois sou uma apaixonada pela América do Sul e pela sua arquitetura com forte diálogo e conexão com o seu contexto tropical. São dois países que nos oferecem fontes de inspiração inesgotáveis.
Pensando em referências em concreto posso assinalar um atelier espanhol, El Equipo Creativo, cujo trabalho se destaca pela originalidade, ousadia e cor.
Existe também um atelier russo muito interessante, TOL’KO, dos quais admiro a subtileza com a qual trabalham ambientes quase monocromáticos (mas tudo menos aborrecidos), baseados na combinação de texturas. No outro extremo temos, por exemplo, a Kelly Hoppen que trabalha muito os contrastes branco/preto.
É muito interessante ir percebendo como diferentes designers/arquitetos abordam os espaços de formas tão diferentes e com resultados igualmente bons. Abre-nos as perspetivas sobre todo um mundo de opções e ideias a explorar.